Por Juliana Assolari
Desde o início da pandemia da Covid-19, devido ao fechamento do comércio, restrições de locomoção, isolamento obrigatório dos grupos de risco, queda da demanda, paralisação da indústria automobilística etc., as empresas têm enfrentado um dilema: não tenho caixa para pagar os fornecedores, o que fazer?
A primeira saída que vem à discussão é entrar com pedido de recuperação judicial. Mas, será esta a melhor alternativa? Será a recuperação judicial a tábua de salvação da empresa para navegar nas águas turbulentas da pandemia? Esta alternativa exige uma análise minuciosa para verificar se é a alternativa viável para salvaguardar a manutenção das atividades da empresa.
O primeiro ponto a ser analisado é o tempo do processo judicial. O Juiz Daniel Carnio Costa, titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, expõe que, em razão da Covid-19, os credores têm buscado a Justiça para receber seus créditos e, por outro lado, os devedores têm buscado a revisão do contrato ou o não cumprimento da obrigação. E comenta que se estas demandas se transformarem em milhões de processos, o Judiciário não terá braços para lidar com o volume da demanda ocasionando a ineficiência da ação judicial, pois, na demora da eficiência da tutela jurisdicional, grande parte dos devedores não terão mais renda e faturamento para pagar seus credores[1].
Outro ponto deve que ser considerado, que é potencialmente uma consequência do pedido de recuperação judicial, é a potencial escassez de crédito. Uma pesquisa do Banco Central, divulgada pelo O Estado de S. Paulo em 29/04/2020[2], demonstra que o saldo de crédito subiu 9% nas operações com companhias de maior porte, houve alta de apenas 2,1% no caso das menores[3]. Se há dificuldade de acesso ao crédito, esta dificuldade aumenta sobremaneira para a empresa em recuperação judicial, pois, tão logo é deferido o processamento da recuperação, há uma retração natural do mercado de crédito que resiste em emprestar dinheiro à empresa em regime de recuperação judicial.
Antes da pandemia da Covid-19, um levantamento realizado pelo Observatório de Insolvência da PUC-SP, divulgado pelo O Estado de S. Paulo em 15/09/2019, demonstra que 60% das empresas do Estado de São Paulo que optaram pelo processo judicial entre 2010 e 2018 não conseguiram cumprir o plano nos dois primeiros anos, tendo criado um leva de empresas “zumbis”, sem capacidade de investimento e de geração de caixa[4].
Portanto, dado que a crise atual ocasionada pela Covid-19 é muito mais severa que as crises anteriores, a expectativa de que uma empresa em recuperação judicial tenha mais dificuldades de soerguer-se é muito mais latente, pois, além da dificuldade de acesso ao crédito, haverá a dificuldade de retomada das atividades empresariais para a “nova normalidade”, dificuldade de previsão de como serão os negócios pós-pandemia, aliadas ao alto custo de manutenção de uma recuperação judicial.
Neste cenário, nos momentos iniciais de uma crise financeira da empresa, uma alternativa legal a ser analisada pela empresa em dificuldades é a Recuperação Extrajudicial, regulamentada pela Lei nº 11.101/2002 (Lei de Recuperação Judicial e Falência), que permite a continuidade das atividades empresariais sem a necessidade de intervenção de um administrador judicial, do Ministério Público ou do envolvimento de todas as classes de credores da empresa.
O fato de não ter o envolvimento de um administrador judicial e as negociações serem realizadas pela própria empresa significa menos burocracia e menos custos, pois na Recuperação Judicial, além dos honorários do administrador judicial, há os custos de realizações de assembleias e as custas judiciais, além dos prazos processuais e potencial morosidade do trâmite judicial se houver a sobrecarga do judiciário pós-pandemia.
Por outro lado, na Recuperação Extrajudicial o plano de pagamento não tem o fôlego do stay period (180 dias) que há na Recuperação Judicial, e concedido após o deferimento do pedido de recuperação, prazo que é concedido para a reorganização das atividades empresariais sem risco de penhora ou constrição que prejudique a construção do plano para a sobrevivência das atividades empresariais.
Em linhas gerais, a Recuperação Extrajudicial é uma reestruturação de dívidas celebrada entre a empresa devedora e determinada classe de credores, por exemplo, os fornecedores, com o objetivo de celebrar um acordo para o pagamento da dívida. O acordo é a aceitação pelos credores do plano de pagamento proposto pela empresa devedora, sendo que o plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável a qualquer credor. Contudo, os créditos de natureza tributária e trabalhista, adiantamento de contrato de câmbio para exportação e os créditos extraconcursais (credor fiduciários de bens móveis ou imóveis, por exemplo).
O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos, ou grupo de credores da mesma natureza e sujeitos a semelhantes condições de pagamento e, a critério da empresa devedora, poderá ou não ser homologado judicialmente. Entretanto, é necessária a homologação judicial para obrigar a todos os credores das espécies por ele abrangidas, com relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação, desde que haja a concordância/adesão de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie abrangidos na Recuperação Extrajudicial.
A sentença de homologação do plano de recuperação judicial tem natureza de título executivo judicial e, portanto, se o plano não for cumprido, poderá ser acionado judicialmente.
Cada empresa tem sua história, suas peculiaridades, suas realidades. Portanto, no momento de crise é necessário avaliar as alternativas factíveis de recuperação da empresa, pois a falência das atividades empresariais não traz benefícios ao devedor, ao credor e à sociedade como um todo.
Este artigo tem caráter genérico e informativo,
não constitui opinião legal para qualquer caso específico.
[1] https://www.conjur.com.br/2020-abr-22/tribunais-podem-nao-dar-conta-demandas-recuperacao-judicial
[2] https://bit.ly/digital-estadao-lassori
[3] O Banco Central classifica como pequenas e médias empresas aquelas com receita bruta anual até 300MM ou ativos até 240MM. Acima destes valores são consideradas empresas de grande porte
[4] https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/09/15/em-sp-quase-60-das-empresas-em-recuperacao-judicial-viram-zumbis.htm