Contribuintes que têm débitos inscritos em dívida ativa poderão aderir, a partir de julho, ao que está sendo chamado de “transação excepcional”. O programa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) oferece parcelamento com valor de entrada reduzido e descontos de até 100% em multas e juros (no pagamento de dívidas).
Para ter direito ao benefício, no entanto, o contribuinte terá que demostrar não ter capacidade financeira para arcar com os valores integrais da dívida. E apresentar as receitas obtidas em 2019 e no primeiro semestre de 2020 — a situação de pandemia será considerada. Também serão exigidas outras informações como patrimônio e quantidade de empregados.
Esses dados serão cruzados com informações da base da PGFN. Comprovada a incapacidade de pagamento do valor original da dívida, o contribuinte receberá as propostas para a quitação parcelada com descontos e fará a escolha.
Tudo será feito por meio do Regularize, programa que pode ser acessado no site da procuradoria. “Nada impede que o contribuinte que tentou em julho e não conseguiu, tente novamente em outros meses, porque a situação pode mudar em razão da pandemia”, diz Cristiano Neuenschwander, procurador-adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS.
O prazo de adesão se encerra no dia 29 de dezembro, último dia útil do ano. A PGFN estima que 70% dos cinco milhões de contribuintes que têm débitos inscritos na dívida ativa estejam elegíveis ao programa. E, segundo o procurador João Grognet, coordenador-geral de Estratégia de Recuperação de Créditos da PGFN, R$ 56 bilhões deverão ser renegociados.
A nova transação está prevista na Portaria nº 14.402, publicada ontem no Diário Oficial da União. Serão elegíveis as dívidas de até R$ 150 milhões. Contribuintes com débitos acima desse valor poderão negociar com a PGFN, mas por meio de uma outra modalidade, a transação individual — em que as partes sentam para conversar.
A portaria publicada ontem é a segunda para o período de pandemia. A primeira, chamada de “transação extraordinária” havia sido publicada em abril e tem prazo de adesão previsto para até o dia 30 deste mês. Cerca de 30 mil contribuintes já aderiram, o que, segundo a PGFN, representa a negociação de R$ 8 bilhões.
As condições, agora, no entanto, são mais vantajosas. A portaria publicada em abril previa valor de entrada reduzido e parcelamento, mas não concedia descontos.
Na 14.402, publicada ontem, a entrada será de 4% do valor total da dívida, que poderá ser parcelado em até 12 meses. O restante, com desconto em juros e multas, poderá ser quitado em até 84 meses pelas empresas em geral. O prazo poderá alcançar 145 meses para pessoas físicas, empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia e sociedades cooperativas.
Os descontos, de até 100% em juros e multas, vão variar conforme a capacidade de pagamento do contribuinte, a situação da dívida e o parcelamento escolhido — quanto mais vezes, menor o desconto. Além disso, a redução não poderá ser maior que 50% do valor total da dívida. O limite é para que o montante principal da dívida, sem os encargos, não seja reduzido.
O valor menor de entrada, parcelado em 12 meses, foi pensado para o período de menor capacidade financeira das empresas, por causa da crise gerada pela covid-19. Daniel Saboia, assessor especial da Procuradoria-Geral Adjunta de Gestão da Dívida Ativa da União, diz que o período de adaptação das empresas deve se estender até o começo de 2021, com a retomada prevista para o mês de abril.
“A transação vem para trazer instrumentos para que consigamos atravessar esse período”, diz. “Em vez de exigir a retomada fiscal, estamos postergando e considerando um ano de parcelas módicas da dívida”, acrescenta. A transação tributária surgiu no fim de 2019 com a Medida Provisória nº 899, a MP do Contribuinte Legal, convertida na Lei nº 13.988.
Duas portarias trouxeram as regras para a transação em abril, a 9.917 e a 9.924. A primeira tratava das normas gerais. Só podiam participar contribuintes com situação cadastral que indicasse irrecuperabilidade dos créditos em dívida ativa ou com o CNPJ baixado. A Portaria 9.924 estabeleceu pela primeira vez condições para a transação em razão dos efeitos da pandemia.
Ricardo Soriano de Alencar, o procurador-geral da Fazenda Nacional, frisa que “a transação não é um Refis”. “É um instrumento muito mais refinado, avalia cada contribuinte”, afirma.
De acordo com a PGFN, quase 90% dos contribuintes que se utilizaram de Refis nos últimos anos tinham capacidade para pagar suas dívidas de forma integral.
Há discussão no Congresso, no entanto, sobre a criação de um novo Refis, o que, para a advogada Andréa Mascitto, pode deixar os contribuintes em compasso de espera. “As empresas estão esperando para ver se esse Refis vai sair para decidir o que é mais vantajoso”, diz.
Para ela, no entanto, a “procuradoria caminhou bem” ao disponibilizar a transação. “Deu um alento no meio dessa incerteza de Refis ou não e incentiva a conformidade fiscal”, acrescenta. Julio Janolio, vê a possibilidade de descontos, prevista na portaria da PGFN, como interessante. Mas ele também cita os projetos de lei que preveem a criação de um novo Refis — tratam-se do PL nº 152, no Senado, e o PL nº 2.735, na Câmara.
“São mais vantajosos para os contribuintes”, diz. “Preveem descontos de até 100% em multa e juros e também a possibilidade de pagamento com prejuízo fiscal acumulado”. O contraponto, no entanto, acrescenta, é que não há, até agora, sinalização mais contundente de que serão aprovados.
Fonte: Valor Econômico/ Joice Bacelo